Artigo escrito por Gilvan N. Nolêto, perito criminal do Estado do Tocantins, é jornalista e especialista em Polícia Comunitária. O artigo foi escrito em meio ao nosso último período eleitoral, mas o debate nele proposto deveria prosseguir.
“A polícia está doente e coloca a sociedade em risco.” É corajosa a afirmação de um policial militar aposentado de Minas Gerais, publicada na revista Época em 2009. O questionamento é sobre o modelo policial insistir em treinar humanos, desumanamente, resultando na prática, em desrespeito, nas ruas, aos Direitos que defendem a Dignidade Humana. Não importa se a afirmação entre aspas é verdadeira ou falsa. Importa ampliar a reflexão e o debate sobre as falhas do Sistema de Segurança Pública, que ainda não vimos candidato algum, ousar debater nesse processo eleitoral.
O debate político no campo da segurança pública está vazio e não pode continuar a sê-lo. Sem a sensação de segurança é contraditório falar em qualidade de vida. É discurso vazio. Está na hora dessa discussão, haja vista que em 500 anos de história, foi dada essa oportunidade à nossa população, durante a Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG) realizada há um ano, mas com pífia participação da classe política, que agora quer voto. No primeiro debate transmitido pela BAND, não se tocou no assunto. O único questionamento foi sobre os cartéis dos postos de combustíveis, e o governador sabiamente, saiu pela tangente. Esse tipo de investigação tem caráter altamente sigiloso, geralmente envolve a Secretaria Nacional de Direito Econômico e torná-la pública prejudica o êxito. Mas o governador poderia ter respondido que silenciosamente nossa Polícia Civil, elucida em torno de 74% dos crimes, ao contrário de Estados que vêem das capitanias hereditárias, e não obtêm 10% de êxito.
Insisto no debate! Os políticos precisam compreender que, a polícia é a primeira porta do Estado aberta 24 horas por dia e é por ser a executora do Sistema de Segurança Pública de mais fácil acesso da população que a polícia é a mais cobrada, e constantemente responsabilizada até pelo que, não é responsabilidade dela. No contexto desse sistema, a Polícia se assemelha a uma prima pobre, encarregada da faxina na casa onde residem parentes próximos, como o Judiciário e Ministério Público, embora, não se saiba por que, o Tocantins não a reconheça como carreira jurídica. No entanto, ao surgirem falhas elétricas, mecânicas ou hidráulicas, a cobrança da população e até de formadores de opinião, geralmente recaem unicamente contra a faxineira, embora pertença à mesma família.
Sou neófito em Direito. Mas basta um acesso atento ao site do Ministério da Justiça para se constatar que o sistema está ultrapassado. Entre 2000 e 2009 a população carcerária nacional, dobrou de 232,7 mil para 473,6 mil. Numa interpretação simplista pode-se dizer que a polícia trabalhou em dobro. O crescimento da população carcerária foi da ordem de 103,5% enquanto a população brasileira cresceu apenas 11,8%. Mas em 2010 qual foi o alívio que tantas prisões trouxeram à sensação de insegurança?
A promessa da Justiça Criminal era que a pessoa presa, depois de cumprir pena, voltaria ao convívio social reeducada. Até passamos a nominar o preso, de reeducando. Mas não sejamos hipócritas! O cárcere, de cadeia a penitenciária, tem sido sinônimo de escola para aperfeiçoamento da maldade. Um condenado por furto de galinha, sob pretexto da fome, de simples ladrão, sai da prisão, PHD em crimes bem mais graves, pela convivência com delinquentes, de grande periculosidade.
E qual é o tratamento que o nosso Sistema dispensa às vítimas? De acordo com o jornalista Marcos Rolim, em seu livro, a Síndrome da Rainha Vermelha, o atual sistema de justiça criminal é avaliado pelo montante de punições que produz. Ou pelo montante de dor produzido e não pelo montante de dor que é reparado na vítima. Restaurar a justiça difere de vingar-se. A Justiça Restaurativa merece discussão!
A CONSEG mostrou que a população tida como desinteressada, precisava da oportunidade para discutir o que deseja. E foi por meio da CONSEG que se constatou o desejo de profundas transformações. Desde uma política nacional de polícia comunitária (assunto para outro artigo), até a desmilitarização da polícia.
A propósito, o Secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, em pronunciamento transmitido pela Unisul há meses, deu a largada para essa discussão. Balestreri disse que “a nobreza do trabalho policial está em proteger a população. As polícias precisam é encontrar sua verdadeira vocação. A PM precisa parar de arremedar o Exército e a Polícia Civil precisa deixar de agir como se fosse o Judiciário.”
Transformação não é renovação de antigas práticas. A população não quer mais uma polícia que espera ser provocada para agir. Ela quer uma polícia pró-ativa e não aquela que apenas corre atrás de bandidos, enquanto a família chora a perda de vidas. É necessário defender uma segurança pública com inteligência, amiga da paz e vizinha da ciência sob pena de permanecermos correndo, sem nunca sairmos do mesmo lugar. Segurança pública não é sinônimo de armamentos, coletes e viaturas. É bem mais que isso. Vamos ao debate!
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